sexta-feira, 10 de outubro de 2014

antes das seis da manhã tem sol entrando pela fresta da porta
não é nem uma janela
essa miséria derrotista de faltar um quadrado, ali, na parede descascada, interagindo meu globo ocular com a entrada triunfal da dia
é só um feixe de luz pela porta
antes das seis?
não encontro eu nada que justifique a ausência de fé nos dias, o desistir perante a caneta, o papel
nada a relatar, doutor, a última vez que vi qualquer coisa sair do lugar foi meu dente que quebrou através da bebedeira e provavelmente uma topada com a porta
isso tudo que é nada parece aquele tornado lá dos quintos dos infernos, nove anos atrás, né? se não me engano. pois é, parece
vai consumindo qualquer coisa, qualquer mesmo, que há pela frente
eu, minha saudade, minha fome, os vestidos, o pé de mangueira, a casa toda. e no fim das contas, não é nada
me entende?
um estrago desgraçado e ninguém para eu culpar. apontar o dedo no olho, assim, e gritar que "a vida toda foi destruída por culpa sua"
é, foi o que ouvi. eu era nova, um soco nas costelas
acho que só quero mesmo é passar esse grito para frente, para outro ouvido, deixar agarrado na parede da memória como deixaram na minha
que covardia
eu sei
toda maldade que me há vontade de conceber aos outros (seletos) seria sim diluída - tão rápido quanto meu riso - com meia palavra de descanso
palavra que enfia os dedos finos entre a pele e os ossos e sai carregando, sem asco, esse cansaço cravado
não é um eu te amo, não, para mim sempre foi um
eu te aceito
coisa que não sei fazer
aceitação, nisso vejo paz. quem me amou de tal forma a me aceitar, já foi
é até leve lembrar, como dar um sopro num dente-de-leão. fica o remorso, claro, malditos demônios
infelizes eles, infeliz eu, sem controle, incerta
li, mais cedo, um ferreira gullar deixando explicito a loucura de levar alguém, especificamente, pelos túneis das noites clandestinas, sob o céu constelado do país, entre fulgor e lepra, debaixo de lençóis de lama e terror. ou é esse alguém que me leva?
que pesadelo ser carregada nas costas por outrem, perder a autonomia do sofrer
2012 foi um ano ruim, vivi sem ter rédea da minha própria dor, assistindo no telão a versão do meu eu pelo outro
faz tempo, dava para escolher quem culpar

antes das seis o sol me bate a cara, doutor,
que vazio



yasmin d

2 comentários:

  1. não sei como você se sente escrevendo estes textos, mas pra mim é uma grande válvula de escape de vez em quando

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