domingo, 23 de fevereiro de 2014

a escada de penrose

na noite em que queimaram minhas cartas e fizeram uma fogueira para aquecer a solidão crônica de uma sociedade inteira, eu senti miséria pelo tempo perdido, pela manada de perguntas e vontades uivando ao escurecer, pelo potencial das pupilas dilatadas que não criam arte. horas depois um titã veio, estalou os dedos e acelerou a percepção temporal de todos os seres pensantes. é por isso que ano passado parece ontem e ontem não existe. as engrenagens dos nossos bilhões de cérebros estão em um tresvario histórico. o século XXI se limita ao loop infinito de perguntar que dia é hoje. da perspectiva de uma janela só o céu realmente existe mas para o céu há um turbilhão de coisas e corpos e paisagens e poemas embrulhados e entregues na porta de casa. acho que te amei como uma janela e me vi chorando no chão da cozinha enquanto um cigarro marcava minha pele e alguém pelo espelho repetia - tudo bem, vão encontrar o terreno baldio do seu peito e construir um aeroporto ou uma sala de espera ou museu de odes, você precisa amar alguém que não quebre os seus ossos. é, talvez nós precisamos. a agonia de apostar num antro sórdido é como a de imaginar o funeral do sonho comunista, e se descarregassem uma hk nos meus pés, não faria tanto barulho quanto o sussurro de te pedir para ficar. eu quero me lembrar dos escritores que foram perseguidos pelo fbi e postos numa lista com nome e sobrenome considerados de extrema periculosidade pelo fato de conhecerem a força de um intelecto fodido e repassarem a receita da anarquia pessoal. eu quero me lembrar de como tocar o terror nas bordas de mim e como transformar energia mecânica em ócio. eu quero me lembrar que a salvação da poesia é uma ilusão paradoxal e o silêncio diz tanto quanto um rádio no horário político. eu quero que você olhe a cara de cada um que morreu para esse país ressuscitar e veja os rostos das balconistas dos flanelas das prostitutas dos delegados de beira estrada das mães calejadas dos loucos e dos presos sem comida eu quero te lembrar nós não vamos esquecer.

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