domingo, 7 de abril de 2013

Consonância dissonante

Os cavalos marinhos que você tem tatuado perto do ombro sempre serão a minha queda.
Eu os olhava todos os dias de manhã e me sentia observando uma obra abstrata.

Alguém em frente o quadro mais detalhadamente bonito e mais incompreendido da exposição. Nós.

Quando consegui te decifrar os códigos já eram outros e você vivia somente nas páginas amarelas do meu livro interminável. Ele ainda segue assim, sem fim, e você permanece impresso.

Existe tanto desespero acumulado nesse conto que só nós conhecemos, tantos gritos silenciados. Ninguém renuncia, ninguém abre a porta. Talvez porque não exista nada para renunciar, talvez porque a porta sempre esteve aberta. O tráfego é rápido, esperto, fazemos parte dele. Nós somos o trajeto, só não sabemos onde damos. Você palpita desse lado, eu do outro, e as coisas continuam com o mesmo olhar baixo. Raramente ousamos enfrentá-las. Dá trabalho.
Adotei esse amor justamente pela labuta. Você o descartou pelo mesmo motivo.
Prioridades, paralelismo.
Pensei em destruir a Mata Atlântica com o cigarro da sua mão. Menos folhas, menos poesia. Desisti. É desperdício de tabaco porque, provavelmente, esses humanos escatológicos encontrariam outro jeito de manter o mercado de corações desmantelados em pé. Amor monopolar vende muito. Prova disso sou eu que compro Bukowski, você que ouve Joy Division.
Tento não acreditar no amor, às vezes, mas tenho dó de jogar fora todos os meus poemas da carteira.
Vi você andar batalhas e multidões e seu cheiro continua o mesmo.
Se morre o homem mas não morre o som, grita para mim seus gritos enferrujados, suas lembranças conturbadas e seu testamento sentimental. Grita.

Quando o sol baixava e a angústia também, você cantava
"lembra que o plano era ficarmos bem?..." só para me ouvir completar
enquanto deslizava os dedos ombro abaixo,
os encostando no desenho das suas costas
"olha só o que eu achei... uuhh, cavalos marinhos",
e eu completava porque nada no mundo valia mais do que
te ver rir por saber o que significava ter te encontrado
e encontrado
também
seus cavalos marinhos.

Queda.

Um comentário:

  1. Teus textos são de uma sensibilidade incrível. Parabéns, Yasmin!

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