segunda-feira, 29 de abril de 2013

O mar não ensina, insinua.

Não há som de pássaros, só de carros, estou encurvada sobre a máquina de escrever e ouço Beatles.
Beatles. É o fundo do poço.
Percebo nisso a descrição de como a vida ri alto de nós. De qualquer forma, é com Beatles que você vem a tona. Bum! Cai em cima de mim a cada vez que a mesma música recomeça no repeat. Something in the way she knows… 

Sei que você se pergunta, agora, o que diabos faço aqui, datilografando uma carta cujo destinatário é o seu nome. Voltei porque encontrei alguns pontos que não foram ditos e são bonitos de se dizer. Coisas nossas, que criei. Inspiração do seu caos.

Bem, nós poderíamos ter criado com delicadeza o (segundo) maior desastre das nossas vidas malditas se tivéssemos nos tocado com menor temor e maior fervor. Você não sabe até onde meus pés iriam para ver sua cintura em câmera lenta, nem quantos cigarros jogaria fora por amor à sua respiração calma. Seríamos borboletas se não fôssemos (quase) a mesma peça do jogo.

Odeio o lugar em que você vive, a tiraria daí se meus braços suportassem o peso da sua dor congelada. Não gosto do seu choro, mas passo longe da pena. Você é uma muralha e eu não tenho dó das suas lágrimas, assim como não tenho das minhas.
A repetição do “não” tem como função dar ênfase ao meu desgosto sobre sua ausência e o que você faz dela (ou o que fazem nela). Já quis te ver morta e já te vi morta, embora o tom da sua voz tenha sempre permanecido aqui. Meu desgosto é um tiro pela culatra. Te repugnar só torna mais difícil o descanso.

“E até hoje não houve um só dia em que eu não me lembrasse daqueles nossos dias”, nem que eu não os quisesse de volta. Que falta faz seu coração de madrugada, entre uma dor e outra.
O sabor da cólera que você me fez sentir é inigualável, e eu sempre vou preservar a lembrança dela. Tudo isso que escrevo agora é fruto da nostalgia maltratada que a voz do Harrison traz, da memória de quando você abaixou a guarda e da paixão que senti durante seu aparecimento à minha direita. Talvez não seja somente memória. Devo ter carinho pelo seu buço e mal humor. Tenho.
Os segundos em que detesto sua conduta ainda não excederam os que sinto vontade de segurar sua mão. Gangorra.

No exato momento que você fechou a porta com a mesma sutilidade que a abriu, o CD furou e repetiu cem vezes “I don’t want to leave her now, you know I believe and how…”, mas que armas tínhamos contra outros sorrisos? A redenção dos corpos às vezes é a única salvação, e nós precisávamos dela. Acho que resta uma fresta aberta que nos permite observar nosso cotidiano abatido e lamentarmos uma pela outra. Lamento sua metamorfose em mármore, eu sou pó.


Quisemos nos abraçar como abraçaríamos a última pilastra viva no navio em naufrágio, e quase conseguimos. Afundou, flutuamos. Não salvamos a tragédia mas estamos vivas, ainda há possibilidade de tripularmos juntas.

Nossa ligação é levemente cômica, porém, forte.
Somos inerentes.




(Yasmin, ou black swan.)

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