quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Cão ataca dono.

Você prolonga a criação de um monstro a cada vez que se vai, vira as costas. O alimenta e ri ao vê-lo tomar formas desconhecidas e indomáveis.
O monstro também ri.
Não sei se morro ou ganho vida quando acontece. Morrer e ganhar vida não são a mesma coisa? É só queima de petróleo, do calendário. Provavelmente estarei mais viva aos setenta anos do que agora.
Vai, ninguém se importa, alguns se doem, eu perco o amanhecer chorando. Vai, nunca tranquei a porta. Meus olhos ainda lacrimejam, não aprendi a domá-los, mas meu peito é de temperatura semelhante aos cantos superiores da Rússia.
"Cai da rede, Alice". Minha mãe repete. Mal sabe ela, mas já caí. Não doeu porque a dor foi maior que eu. Daquelas dores que por si só procriam cura. Não doeu e toda dor após é só riso. Do chão não passo mais, nem você. O mesmo patamar de fundo do poço. 
Por favor, permita-se ser justo consigo mesmo e aceite que eu sei. Sei de todas as partes excluídas que não passam no cinema, que ninguém gostaria de assistir. As suas e as minhas. Ainda te vejo no mesmo buraco, sei que ainda reside na mesma solidão.
Caí da rede, quebrei o nariz e sangrou, sangrou muito. Estancar o sangue foi tarefa árdua, mas, olha para mim. Olha. Ninguém vê as cicatrizes, nem você. Seus olhos de águia nem sequer notaram os riscos na minha pele. Alguns novos, outros camuflados pelo tempo. Jamais te vi querendo saber do meu choro, roubando cadeira pro descanso dos meus joelhos. 
Talvez eu saiba muito mais dos seus medos e das multidões que se rebelam contra si mesmo aí dentro do que você conheça minha personalidade extraviada. Mais um caminho quebrado, éramos Yin Yang. Ou achava que éramos. Dói lembrar que em hora alguma soube que suas mãos haviam feito por mim, qualquer coisa. Eu por você, você por ninguém.
Agora é difícil olhar e entender o que foi e o que nunca será. Talvez nada, talvez tudo, talvez só metáfora. O erro foi seu. Se é sempre mais difícil dizer adeus quando não há mais nada a dizer, por que diabos não sumiu sem fazer barulho? Quase despertou meu sono. Fim sangrento ou recomeço árduo, opções únicas. Escolhi ambas. Se não dá samba, pelo menos dá drama. "Adeus". O dia nasceu e eu nem sequer vi o Sol porque minhas vistas eram mar. Ardiam, até. Chorei tanto que balançou o corpo, a cama, a aura, mas foi só mais uma dor de dores comuns que são relembradas com riso. Ninguém me faz cair novamente. Você me ensinou o que é resistência, em todos os polos possíveis.
Ando tão forte que tudo parece cinza. Nada nem ninguém capaz de ultrapassar a barreira.
O monstro, agora, é maior que eu, mas cabe em mim. Obrigada pela criação maltratada.
Cuidado ao voltar, moro no seu quintal.

(Yasmin Diniz)

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