quinta-feira, 8 de agosto de 2013

1º do plural

Houve um dia em que um monstro se instalou no canto do quarto. Ele permaneceu lá, sentado, em silêncio, por tempo suficiente para me enlouquecer. Eu o sacudi, o expulsei, chorei, e perguntei, incessantemente, o que diabos fazer com ele, mas o monstro continuou
sentado, 
em silêncio, 
no canto do quarto, sem insinuar me atacar
ou
me salvar.

Os olhos também são parte do cérebro, por isso te olhei tão demoradamente aquela noite. A intenção era canalizar seus movimentos a fim de tê-los comigo quando você se fosse. Guardei desde seu riso imaturamente velho à sua forma de tragar meu cigarro. Quis te cantar entre sussurros "fica bem aí que essa luz comprida ficou tão bonita em você daqui", mas o grito da multidão me interrompeu. O grito da multidão falou por mim inúmeras vezes e você a ouviu. Cada corda vocal de cada pessoa a nossa volta se rebelava contra um amor perdido, doído, não tido, e o meu amor perdido, doído e não tido estava - por cambaio ou presente do destino - ao meu lado. Enquanto o resto do mundo cantava como quem queria alcançar os ouvidos de quem não podia alcançar (nem voltar para casa), eu te olhava, demoradamente. Guarda isso em qualquer pedaço de terra ainda não seca dentro do seu torpor. Não perde os olhares que te dei naquela noite. Havia neles algo só seu.

Nunca fui suficiente para suprir seus demônios. Ainda me pergunto o porquê. Me nego a acreditar que a culpa está na linha maciça que divide nossos mundos, então, culpo à mim. "Quem olha assim até parece fácil acreditar que todo dia eu quis inventar várias maneiras de me perdoar". Falhei. Lamento ter chegado tarde e jamais abraçado seu corpo num dia difícil. Sinto muito pela decepção em não ser seu porto seguro. Eu tentei. Se o plano das linhas paralelas der errado, podemos ser um par de ondas seno e cosseno (ou Sid e Nancy). A força das nossas singularidades juntas é insubestimável. Mentes brilhantes potencialmente coligadas. É temeroso. Podemos tudo, até o... nada. O nada é meu jardim sem flores, minha terapia às terças, meus pés sentindo o inverno que entra pela porta que você deixou aberta ao sair. O tudo eu não sei, mas escrevo para descobrir, ou descubro para escrever. Oscilo e volto ao mesmo destinatário porque você sabe ler minhas entrelinhas.
Talvez, se não fosse sua monomania infame sobre sempre querer mudar minhas certezas, esse texto poderia ser eterno, como uma carta de suicídio que amarela com o tempo para se tornar memorável. Talvez seja. Se for, saiba que eu a escrevi tendo certeza plena de que o monstro silencioso, no canto do quarto, que perdura até hoje sem me atacar ou salvar, é todo o amor que eu guardo para te dar.

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